A
educação física é componente curricular obrigatório da educação
básica (BRASIL, 2003) que tem como especificidade viabilizar aos
alunos o acesso ao conhecimento da cultura corporal. A disciplina
educação física é obrigatória assim como as demais disciplinas
escolares (matemática, língua portuguesa, artes, história,
geografia etc.) e, em comparação com as demais disciplinas, a
matéria que a maioria dos alunos mais gostam, por representa um
espaço menos rígido que o da sala de aula, por que ainda existem
alunos que não participam das aulas? Por que isso ocorre na maioria
das vezes com a educação física? Quais são os motivos que leva a
Educação Física a perder o espaço no Ensino Médio?
As
perguntas são pertinentes a partir da observação da rotina de sala
de aula e na sobre carga de práticas centrados no esporte. O
esporte é um instrumento e prática mais reforçada como conteúdo
do movimento corporal na escola. A Educação Física apresenta uma
diversidade de conhecimento, mas mesmo assim, nos restringimos apenas
04 modalidades nas aulas de Educação Física, tais como, futsal,
basquetebol, voleibol e handebol, o Quarteto Fantástico. As outras
modalidades como o atletismo e a ginástica artística não são
difundidas entre os alunos desta faixa etária. E se olharmos mais a
fundo, conteúdo com dança, capoeira, judô, atividades expressivas,
ginástica, folclore e outras, são relegadas a projetos e momentos
excluídos do currículo e das aulas de Educação Física.
A
identificação do aluno com a aula de Educação Física começa
desde as primeiras aulas da Educação Infantil. É o único lugar
onde o corpo cria voz através do movimento, mas as oportunidades
para conhecimento de outras práticas ainda apresenta limitações, e
as opções dadas ao individuo são mínimas. Pesquisas em escolas
públicas e particulares, realizada pela autora Betti (1992),
descreve bem esta limitação de oportunidades, restrito ao voleibol,
basquetebol e futebol. E os alunos que não se identificam com
nenhuma destas praticas esportivas responderam que gostariam de
aprender outros conteúdos.
A
Educação Física tem no movimento corporal, o meio e o fim para
atingir o objetivo educacional, utilizando das diversas atividades,
como o jogo, o esporte, a dança ou a ginástica. Mas a escola
assumiu o ensino exclusivo do esporte, como estratégia para alcançar
esses objetivos. Uma distorção dos conteúdos curriculares e do
objetivo da disciplina na escola. Essa hegemonia do esporte passou a
existir depois da Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra.
Outro marco foi a ascensão da classe média ao poder politico e a
influência social que o esporte passou a proporcionar as camadas
inferiores da sociedade. Sua expansão deu-se, a partir do final do
século XIX. (Betti, 1991)
O
esporte, então, é fruto da sociedade industrial moderna e reproduz
o proposto pela sociedade, no que toca a suas ideologias. O esporte é
cópia do relacionamento capital dessa sociedade. Com isso a
esportivização foi o próximo passo para a construção do esporte
na escola, com seu auge na década de 70, onde o binômio mais
utilizado foi Educação Física/Esportes, chegando o governo a
subordinar a Educação Física escolar ao esporte. Os códigos do
esporte, tais como o rendimento atlético desportivo, a competição,
comparação de rendimentos e recordes, regulamentação rígida,
sucesso esportivo e sinônimo de vitória são lemas da Educação
Física Escolar, consequentemente da sociedade capitalista. O
professor passa a professor-treinador e o aluno a aluno-atleta, uma
vez que falta uma definição do papel do professor de Educação
Física. Enfim, a finalidade da esportivização no contexto escolar
não é mais a educação, é o rendimento.
Com
esse modelo de Educação Física Esportiva, aumentar ou diminuir o
número de horas dedicadas ao esporte, não o tornarão
necessariamente educativo. É necessário pensar no esporte como um
fenômeno social massivo devido à mídia, onde se tornou um negócio
lucrativo (o mesmo acontece com o cinema). Se por um lado o esporte
exerce um papel social, por outro lado, é constituído pela
atividade física pura. Não é possível adotar a "política do
avestruz" ocultando qualquer um destes papéis. E um dos papéis
educacional é a aprender a discutir o que acontece no esporte, por
exemplo, na questão política dos boicotes olímpicos, os ídolos, e
não simplesmente negá-los, a falta de direitos trabalhistas para
atleta, a exclusão de gêneros, marginalização da diversidade
corporal.
Em
meio a este cenário esportivo, aumenta-se a preocupação com o
envolvimento do aluno nas aulas de Educação Física e o com seu
aprendizado efetivo e concreto. Cruz de Oliveira (2010) identificou
três modelos de alunos, de acordo com a participação nas aulas:
“aqueles que não participavam das práticas corporais, os que
participavam de tudo e aqueles que se encontravam na fronteira entre
esses dois grupos” (CRUZ DE OLIVEIRA, 2010, p. 141). Segundo o
autor, o sistema escolar contribui para que a educação física seja
vista como um espaço menos rígido quando comparada às demais
disciplinas, pois, há uma centralidade da atividade intelectual nas
atividades escolares, pouca importância às práticas corporais na
escola e o momento de relaxamento intelectual seguido de prazer e
descontração.
O
sistema escolar é composto por sujeitos e saberes, uma relação
entre professor-aluno-conhecimento. Podemos apontar um dos motivos
para a hegemonia esportiva e a visão da Educação Física
desleixada a resistência dos professores face a novas propostas de
ensino. Geralmente o ano é dividido em "bimestres letivos".
No 1° bimestre é oferecido o futebol, no 2º o handebol, no 3º o
basquetebol e no 4º bimestre o voleibol. Se esta programação é
cumprida, pelo menos consegue-se mostrar aos alunos quatro
modalidades. O problema é quando ela é repetida para todos os
alunos, do mesmo jeito, independentemente da faixa etária e quando
ela se repete ano após ano, sem alterações. Pior ainda é quando
ela fica apenas no papel, e os alunos vêem apenas uma modalidade
durante todo o ano, de forma livre, sem acréscimo de conhecimento e
desvalorizada enquanto cultura escolar.
Neste
ponto pergunto: onde ficam os conteúdos como a dança de salão, a
capoeira, a ginástica aeróbica, a musculação? Isto sem contar a
ginástica artística, o folclore e o atletismo que também não são
utilizados. Por que isto acontece? Muitos podem ser os motivos.
Talvez o receio de mudar ocorra pela insegurança dos professores em
relação a conteúdos que não dominam, e desta forma trabalham com
o que possuem mais afinidade. Ou por acreditarem que a escola não
possui nem espaço, nem material apropriado, ou ainda por acharem que
os alunos não gostariam de aprender outros conteúdos.
A
questão do espaço em algumas escolas é realmente um assunto
delicado. O professor sempre imagina uma aula na quadra, com bolas
oficiais, etc. Quando isto não existe na escola, ou quando a quadra
não pode ser utilizada, a aula termina. Mesmo que o conteúdo a ser
desenvolvido seja a ginástica, por exemplo, ou a dança, a aula é,
via de regra, realizada na quadra. A escola acaba preocupando-se com
a organização do espaço físico voltado aos padrões esportivos
vigentes e adapta este espaço apenas com fins de competições
esportivas. Assim, em escolas temos quadras, mas não salões de
dança, por exemplo; os próprios professores acabam não sabendo
fazer outra coisa a não ser utilizar as instalações esportivas.
Em
relação ao material observa-se o mesmo tipo de problema.
Utilizam-se materiais caros, com pouca durabilidade, como no caso de
bolas, onde nem o Estado, Prefeitura ou escola particular sente-se
responsabilizado pela compra. Entretanto, também neste item não
observamos uma renovação. Poucos são os professores que procuram
utilizar outros materiais, diferentes dos convencionais nas aulas.
Isto define, inclusive, o tipo de conteúdo a ser desenvolvido. Se
uma escola possui apenas bolas de basquetebol, o conteúdo girará
somente em tomo deste esporte. Embora isto inviabilize alguns
conteúdos esportivos, não impossibilita outros.
Neste
modelo tradicional e esportiva das aulas de Educação Física, a
base de valores parte da competição e do individualismo, que acaba
dando lugar a atitudes agressivas, em função de comportamentos
competitivos e frustrantes, pois deixa de lado a satisfação pela
participação, afastando aqueles que se sentem menosprezados por não
conseguirem vencer. É comum conhecermos alguém que atribui a
desvalorização às práticas corporais devido às experiências
negativas tidas na escola, relacionadas com o esporte, quando teve
algum tipo de frustração decorrente de atitudes preconceituosas ou
tristeza por sentimento de inferioridade. Esses alunos se sentem
menosprezados quando sofrem preconceito dos colegas, por não terem
determinada habilidade para o esporte.
Desta
forma, os alunos se tornam passivos no processo de ensino
aprendizagem e o professor não legitima sua prática pedagógica,
reforçando o sistema social. Imaginem um aluno que sempre jogou
voleibol separado por gênero durante os anos de sua escolaridade, e
da forma que esse esporte é transmitido pela televisão, com as
mesmas regras, sem saber por que jogam de determinada forma, se é
possível construir suas próprias regras, se existem outras formas
de jogar. Qual a contribuição das aulas de educação física para
sua formação?
Não
é tarefa simples solicitar a participação dos alunos nas aulas de
educação física, quando eles próprios argumentam que não
aprendem nada de novo, ou quase nada com esta disciplina.
Infelizmente há muitos professores que apresentam a característica
de dar a bola aos alunos e deixá-los assumir as responsabilidades da
aula. Há um faz-de-conta quando o professor não busca a efetiva
participação do educando, pois não se esforça em ensinar
conteúdos relevantes e o estudante, por sua vez, não se importa com
esse descaso, mas tem consciência que isso ocorre.
O
artigo tentou mostrar outras discussões que também são negadas, no
sentido de, questionar a pouca utilização de outras modalidades
esportivas e outros conteúdos da Educação Física para que a mesma
não continue sendo vista como o binômio Educação Física/Esporte
e muito menos Educação Física/ "alguns esportes".
Vários motivos podem servir como explicação para o fato da não
utilização de outros conteúdos. Outros fatores podem estar
intervindo na escolha dos conteúdos pelos professores de Educação
Física e o afastamento do aluno na prática dessas aulas. Cabe agora
a estes professores e alunos tomar a decisão de questioná-las e
mudar.
Referência
bibliográfica:
BETTI,
Irene Conceição Rangel. Esporte na escola: mas é só isso,
professor? Revista
Motriz:
volume 1, numero 1, pg. 25 a 31,
junho de 1999.
TENÓRIO,
Jederson Garbin; SILVA, Cinthia Lopes da. Educação
Física Escolar e a não participação dos alunos nas aulas.
Ciência em Movimento, Volume 2, número 31, página 71 a 80, 2013.