segunda-feira, 6 de maio de 2024

A midiatização do esporte

 

(Fonte: o que é mídia? https://bid.meetbirmingham.com/la/o-que-e-midia-digital.html)

O caráter “espetacular” do fenômeno esportivo parece estar presente desde suas origens mais remotas. A presença do “público” nas competições foi parte inextricável dos Jogos Olímpicos da Antiguidade, e mesmo competições rituais em sociedades ditas “primitivas”, como a corrida de toras praticada entre grupos indígenas brasileiros [...] também são eventos públicos, em que os “melhores” de cada grupo, clã ou tribo “representam” o grupo na competição, que assiste e incentiva seu desempenho.

Hoje em dia, é inconcebível pensar o universo do esporte espetáculo sem a sua apropriação midiática. Na gênese histórica do mundo contemporâneo, é interessante notar o surgimento quase concomitante do esporte moderno e dos meios de comunicação de massa, em fins do século XIX. Por exemplo, a primeira Olimpíada da era Moderna (1896) foi realizada no ano seguinte à primeira sessão pública de cinema (1895); a Copa do Mundo de 1938 ensejou a primeira transmissão de rádio intercontinental, enquanto a Copa de 1998 foi também a ocasião da primeira transmissão internacional de televisão de alta definição (HDTV). Esporte e mídia: dois filhos diletos da Modernidade.

[…]

A transmissão de um jogo de futebol pela televisão “mimetiza” esta experiência de estar no estádio com um radinho de pilha ao ouvido. As diferentes câmaras acompanham as jogadas (ou outros lances) enquanto a voz em off do locutor define o que está acontecendo. É evidente que as duas experiências são diferentes: no estádio, o torcedor experimenta o compartilhar de um mesmo evento com milhares de outras pessoas, torna-se massa, dissolve-se na “torcida” de seu time, enquanto em sua casa, assistindo televisão, tal fenômeno social coletivo praticamente não ocorre, salvo em circunstâncias muito especiais, como no momento de um gol importante, por exemplo.

Originalmente uma atividade para ser “praticada”, o esporte tornou-se, com o surgimento e o crescimento da comunicação de massa, cada vez mais um “espetáculo” para ser “assistido”, visando a um consumo massificado. Essa incorporação do esporte pela indústria cultural gera um divórcio entre prática e consumo, já que não é necessário ter praticado um esporte para assisti-lo pela televisão e (numa espécie de “grau zero da competência esportiva”) emocionar-se com a ansiedade pelo resultado. A veiculação dos eventos esportivos (nos quais os jogadores são, em geral, profissionais) gera um aumento no número de “leigos”, que necessitam “compreender” o que há para ser visto, criando, assim, uma demanda por “comentaristas” (muito frequentemente ex-jogadores) que, com sua competência específica no assunto, “traduzem” os lances do jogo em termos técnicos e táticos, reforçando, pela oposição aos “leigos”, o primado do profissionalismo.

[...]

Evidentemente, a veiculação pretende ser (e se afirma) “fiel aos fatos”, mas mesmo uma transmissão de televisão ao vivo, em cores, via satélite é, em si, uma representação. [...] sob o ponto de vista da televisão, o jogo acontece somente onde está a bola. Na transmissão de TV, ninguém tem a visão global do espaço de jogo que o espectador presente ao estádio tem. No início das transmissões de jogos de futebol pela televisão, uma única câmara fixa acompanhava de longe as jogadas. Atualmente, mesmo com as dezenas de diferentes câmaras, fixas e móveis, espalhadas pelo campo salientando diversos aspectos do jogo, ainda continua a existir esta construção narrativa, esta metarrepresentação do evento esportivo. As imagens que vão ao ar são escolhidas conforme uma codificação própria do veículo (por exemplo, replays de um gol sob diversos ângulos).

[…]

Se com referência à imagem ao vivo já ocorre este processo de articulação de significado, ele ainda é mais evidente quando se levam em conta a narração e os comentários acerca do jogo, tanto na transmissão de TV e rádio quanto nos jornais do dia seguinte. É evidente que não é “privilégio” do futebol ter significados construídos pela mídia. Ela opera esta mediação como regra, construindo uma “noção de realidade” própria, que evidencia determinados fatos sob determinados enfoques, em detrimento de outros.

GASTALDO, Édison. A arquibancada eletrônica: questões sobre futebol, mídia e a sociabilidade no Brasil. In: COMPÓS, 29., 2004. Anais eletrônicos... Campo Grande: UFMS, 2004. Disponível em: <http://www.compos.org.br/data/biblioteca_571.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2020. Retirado do livro: VÁRIOS AUTORES. Se liga nas linguagens. São Paulo: Moderna, volume experimenta dialogar. 2020. p. 105 a 107.


Papo aberto

1. Quais são as duas palavras-chaves que norteiam o debate no texto, da qual, estão articuladas?

2. Existe algum esporte que você não pratica, mas que acompanha regularmente pelos meios de comunicação? Qual é o esporte e qual é o meio de comunicação?

3. Como é a experiência de assistir a esportes pelos meios de comunicação? Qual é a importância da cobertura midiática em cada caso?

4. Desde quando o esporte passou a ser tratado como espetáculo?

5. Considere novamente esta afirmação do texto para responder às questões a seguir.

Evidentemente, a veiculação pretende ser (e se afirma) “fiel aos fatos”, mas mesmo uma transmissão de televisão ao vivo, em cores, via satélite é, em si, uma representação.

a) Por que a transmissão esportiva ao vivo pela televisão é considerada uma forma de representação?

b) É possível afirmar que essa representação veiculada pela transmissão televisiva do esporte é neutra? Por quê?

c) Qual é a principal diferença, apontada pelo autor, entre as experiências de assistir a um jogo pela televisão e de ser parte do público, no estádio?

6. O caráter “espetacular” do fenômeno esportivo parece estar presente desde suas origens mais remotas. Hoje em dia, é inconcebível pensar o universo do esporte espetáculo sem a sua apropriação midiática. (…) Originalmente o esporte que é para ser “praticada”, tornou-se, com o surgimento e o crescimento da comunicação de massa, cada vez mais um “espetáculo” para ser “assistido”, visando a um consumo massificado. Esporte e mídia: dois filhos diletos da Modernidade. Qual transformação de sentidos ocorre quando o esporte é apropriado pela mídia?

a) Caracterizam-se como pessoas que não tiveram experiências práticas de um determinado esporte, mas que o acompanham pelos meios de comunicação.

b) Passa de uma atividade voltada à prática para ser consumida em larga escala, ou seja, o esporte passa a ser um espetáculo visto por muita gente ao mesmo tempo, a partir, do surgimento dos meios de comunicações em massa como rágio, TV e internet.

c) Constrói-se a ideia de “leigos” esportivos que precisam compreender os eventos esportivos criando demanda dos comentaristas. Na condição de especialistas, eles interpretam ou traduzem a experiência do esporte para os “leigos”.

d) A prática e o consumo passam a existir de forma separada e independente, assim, as pessoas não precisam ser praticantes de um esporte para serem suas consumidoras.

e) Que no estádio a experiência é coletiva, na medida em que as pessoas assistem ao jogo juntas, torcem, comemoram, cantam etc. No jogo visto pela televisão, essa dimensão em geral não ocorre, individualizando a experiência do espetáculo esportivo.

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